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BEJA

BEJA

26
Abr05

...

Lumife
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*

Dizem-me que esta cadeia de literatura começou na República Checa, passou pela
Bélgica, depois pela Eslovénia e finalmente chegou a Portugal.

O testemunho foi-me passado pelo Lopes Guerreiro do Alvitrando:

Não podendo sair do Fahrenheit 451, que livro quererias ser?

EQUADOR - Miguel Sousa Tavares

Já alguma vez ficaste apanhadinho por um personagem de ficção?

Entusiasmado mas não apanhado.

Qual foi o último livro que compraste?

O CÓDIGO DA VINCI - Dan Brown

Qual o último livro que leste?

A INSUSTENTÁVEL LEVEZA DO SER - Milan Kundera

Que livros estás a ler?

O AMOR NOS TEMPOS DE CÓLERA - Gabriel Garcia Marques

Que livro levarias para uma ilha deserta?

AMESTERDÃO - Ian Mcewan

O ALQUIMISTA - Paulo Coelho

A COSTA DOS MURMÚRIOS - Lídia Jorge

A quem vais passar este testemunho e porquê

ALENTEJANICES

e

GRILINHA

porque um é dum compadre Alentejano e o outro é duma amiga que muito considero.




23
Abr05

As Portas Que Abril Abriu

Lumife
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*


Era uma vez um país
onde entre o mar e a guerra
vivia o mais feliz
dos povos à beira-terra

*

Onde entre vinhas sobredos
vales socalcos searas
serras atalhos veredas
lezírias e praias claras
um povo se debruçava
como um vime de tristeza
sobre um rio onde mirava
a sua própria pobreza

*

Era uma vez um país
onde o pão era contado
onde quem tinha a raíz
tinha o fruto arrecadado
onde quem tinha o dinheiro
tinha o operário algemado
onde suava o ceifeiro
que dormia com o gado
onde tossia o mineiro
em Aljustrel ajustado
onde morria primeiro
quem nascia desgraçado

*

Era uma vez um país
de tal maneira explorado
pelos consórcios fabris
pelo mando acumulado
pelas ideias nazis
pelo dinheiro estragado
pelo dobrar da cerviz
pelo trabalho amarrado
que até hoje já se diz
que nos tempos dos passado
se chamava esse país
Portugal suicidado

*

Ali nas vinhas sobredos
vales socalcos searas
serras atalhos veredas
lezírias e praias claras
vivia um povo tão pobre
que partia para a guerra
para encher quem estava podre
de comer a sua terra

*

Um povo que era levado
para Angola nos porões
um povo que era tratado
como a arma dos patrões
um povo que era obrigado
a matar por suas mãos
sem saber que um bom soldado
nunca fere os seus irmãos

*

Ora passou-se porém
que dentro de um povo escravo
alguém que lhe queria bem
um dia plantou um cravo

*

Era a semente da esperança
feita de força e vontade
era ainda uma criança
mas já era a liberdade

*

Era já uma promessa
era a força da razão
do coração à cabeça
da cabeça ao coração
Quem o fez era soldado
homem novo capitão
mas tabém tinha a seu lado
muitos homens na prisão

*

Esses que tinham lutado
a defender um irmão
esses que tinham passado
o horror da solidão
esses que tinham jurado
sobre uma côdea de pão
ver o povo libertado
do terror da opressão

*

Não tinham armas é certo
mas tinham toda a razão
quando um homem morre perto
tem de haver distanciação

*

uma pistola guardada
nas dobras da sua opção
uma bala disparada
contra a sua própria mão
e uma força perseguida
que na escolha do mais forte
faz com a que a força da vida
seja maior do que a morte

*

Quem o fez era soldado
homem novo capitão
mas também tinha a seu lado
muitos homens na prisão

*

Posta a semente do cravo
começou a floração
do capitão ao soldado
do soldado ao capitão

*

Foi então que o povo armado
percebeu qual a razão
porque o povo despojado
lhe punha as armas na mão

*

Pois também ele humilhado
em sua própria grandeza
era soldado forçado
contra a pátria portuguesa

*

Era preso e exilado
e no seu próprio país
muitas vezes estrangulado
pelos generais senis

*

Capitão que não comanda
não pode ficar calado
é o povo que lhe manda
ser capitão revoltado
é o povo que lhe diz
que não ceda e não hesite
- pode nascer um país
do ventre duma chaimite

*

Porque a força bem empregue
contra a posição contrária
nunca oprime nem persegue
- é a força revolucionária!

*

Foi então que Abril abriu
as portas da claridade
e a nossa gente invadiu
a sua própria cidade

*

Disse a primeira palavra
na madrugada serena
um poeta que cantava
o povo é quem mais ordena

*

E então por vinhas sobredos
vales socalcos searas
serras atalhos veredas
lezírias e praias claras
desceram homens sem medo
marujos soldados "páras"
que não queriam o degredo
de um povo que se separa.
E chegaram à cidade
onde os monstros se acoitavam
era a hora da verdade
para as hienas que mandavam
a hora da claridade
para os sóis que despontavam
e a hora da vontade
para os homens que lutavam

*

Em idas vindas esperas
encontros esquinas e praças
não se pouparam as feras
arrancaram-se as mordaças
e o povo saiu à rua
com sete pedras na mão
e uma pedra de lua
no lugar do coração

*

Dizia soldado amigo
meu camarada e irmão
este povo está contigo
nascemos do mesmo chão
trazemos a mesma chama
temos a mesma razão
dormimos na mesma cama
comendo do mesmo pão
Camarada e meu amigo
soldadinho ou capitão
este povo está contigo
a malta dá-te razão

*

Foi esta força sem tiros
de antes quebrar que torcer
esta ausência de suspiros
esta fúria de viver
este mar de vozes livres
sempre a crescer a crescer
que das espingardas fez livros
para aprendermos a ler
que dos canhões fez enxadas
para lavrarmos a terra
e das balas disparadas
apenas o fim da guerra

*

Foi esta força viril
de antes quebrar que torcer
que em vinte e cinco de Abril
fez Portugal renascer

*

E em Lisboa capital
dos novos mestres de Aviz
o povo de Portugal
deu o poder a quem quis

*

Mesmo que tenha passado
às vezes por mãos estranhas
o poder que ali foi dado
saiu das nossas entranhas.
Saiu das vinhas sobredos
vales socalcos searas
serras atalhos veredas
lezírias e praias claras
onde um povo se curvava
como um vime de tristeza
sobre um rio onde mirava
a sua prórpia pobreza

*

E se esse poder um dia
o quiser roubar alguém
não fica na burguesia
volta à barriga da mãe.
Volta à barriga da terra
que em boa hora o pariu
agora ninguém mais cerra
as portas que Abril abriu.

*

Essas portas que em Caxias
se escancararam de vez
essas janelas vazias
que se encheram outra vez
e essas celas tão frias
tão cheias de sordidez
que espreitavam como espias
todo o povo português.

*

Agora que já floriu
a esperança na nossa terra
as portas que Abril abriu
nunca mais ninguém as cerra.

*

Contra tudo o que era velho
levantado como um punho
em Maio surgiu vermelho
o cravo de mês de Junho.

*

Quando o povo desfilou
nas ruas em procissão
de novo se processou
a própria revolução.

*

Mas era olhos as balas
abraços punhais e lanças
enamoradas as alas
dos soldados e crianças.

*

E o grito que foi ouvido
tantas vezes repetido
dizia que o povo unido
jamais seria vencido.

*

Contra tudo o que era velho
levantado como um punho
em Maio surgiu vermelho
o cravo do mês de Junho.

*

E então operários mineiros
pescadores e ganhões
marçanos e carpinteiros
empregados dos balcões
mulheres a dias pedreiros
reformados sem pensões
dactilógrafos carteiros
e outras muitas profissões
souberam que o seu dinheiro
era presa dos patrões.

*

A seu lado também estavam
jornalistas que escreviam
actores que desbobravam
cientistas que aprendiam
poetas que estrebuchavam
cantores que não se vendiam
mas enquanto estes lutavam
é certo que não sentiam
a fome com que apertavam
os cintos dos que os ouviam.

*

Porém cantar é ternura
escrever constrói liberdade
e não há coisa mais pura
do que dizer a verdade.

*

E uns e outros irmanados
na mesma luta de ideias
ambos sectores explorados
ficaram partes iguais.

*

Entanto não descansavam
entre pragas e perjúrios
agulhas que se espetavam
silêncios boatos murmúrios
risinhos que se calavam
palácios contra tugúrios
fortunas que levantavam
promessas de maus augúrios
os que em vida se enterravam
por serem falsos e espúrios
maiorais da minoria
que diziam silenciosa
e que em silêncio faziam
a coisa mais horrorosa:
minar como um sinapismo
e com ordenados régios
o alvor do socialismo
e o fim dos privilégios.

*

Foi então se bem vos lembro
que sucedeu a vindima
quando pisámos Setembro
a verdade veio acima.

*

E foi um mosto tão forte
que sabia tanto a Abril
que nem o medo da morte
nos fez voltar ao redil.

*

Ali ficámos de pé
juntos soldados e povo
para mostrarmos como é
que se faz um país novo.

*

Ali dissemos não passa!
E a reacção não passou.
Quem já viveu a desgraça
odeia a quem desgraçou.

*

Foi a força do Outono
mais forte que a Primavera
que trouxe os homens sem dono
de que o povo estava à espera.

*

Foi a força dos mineiros
pescadores e ganhões
operários e carpinteiros
empregados dos balcões
mulheres a dias pedreiros
reformados sem pensões
dactilógrafos carteiros
e outras muitas profissões
que deu o poder cimeiro
a quem não queria patrões.

*

Desde esse dia em que todos
nós repartimos o pão
é que acabaram os bodos
- cumpriu-se a revolução.

*

Porém em quintas vivendas
palácios e palacetes
os generais com prebendas
caciques e cacetetes
os que montavam cavalos
para caçarem veados
os que davam dois estalos
na cara dos empregados
os que tinham bons amigos
no consórcio dos sabrões
e coçavam os umbigos
como quem coça os galões
os generais subalternos
que aceitavam os patrões
os generais inimigos
os generais garanhões
teciam teias de aranha
e eram mais camaleões
que a lombriga que se amanha
com os próprios cagalhões.
Com generais desta apanha
já não há revoluções.

*

Por isso o onze de Março
foi um baile de Tartufos
uma alternância de terços
entre ricaços e bufos.

*

E tivemos de pagar
com o sangue de um soldado
o preço de já não estar
Portugal suicidado.

*

Fugiram como cobardes
e para terras de Espanha
os que faziam alardes
dos combates em campanha.

*

E aqui ficaram de pé
capitães de pedra e cal
os homens que na Guiné
aprenderam Portugal.

*

Os tais homens que sentiram
que um animal racional
opões àqueles que o firam
consciência nacional.

*Os tais homens que souberam
fazer a revolução
porque na guerra entenderam
o que era a libertação.

*

Os que viram claramente
e com os cinco sentidos
morrer tanta tanta gente
que todos ficaram vivos.

*

Os tais homens feitos de aço
temperado com a tristeza
que envolveram num abraço
toda a história portuguesa.

*

Essa história tão bonita
e depois tão maltratada
por quem herdou a desdita
da história colonizada.

*

Dai ao povo o que é do povo
pois o mar não tem patrões.
- Não havia estado novo
nos poemas de Camões!

*

Havia sim a lonjura
e uma vela desfraldada
para levar a ternura
à distância imaginada.

*

Foi este lado da história
que os capitães descobriram
que ficará na memória
das naus que de Abril partiram
das naves que transportaram
o nosso abraço profundo
aos povos que agora deram
novos países ao mundo.

*

Por saberem como é
ficaram de pedra e cal
capitães que na Guiné
descobriram Portugal.

*

Em sua pátria fizeram
o que deviam fazer:
ao seu povo devolveram
o que o povo tinha a haver:
Bancos seguros petróleos
que ficarão a render
ao invés dos monopólios
para o trabalho crescer.
Guindastes portos navios
e outras coisas para erguer
antenas centrais e fios
de um país que vai nascer.

*

Mesmo que seja com frio
é preciso é aquecer
pensar que somos um rio
que vai dar onde quiser

*

pensar que somos um mar
que nunca mais tem fronteiras
e havemos de navegar
de muitíssimas maneiras.

*

No Minho com pés de linho
no Alentejo com pão
no Ribatejo com vinho
na Beira com requeijão
e trocando agora as voltas
ao vira da produção
no Alentejo bolotas
no Algarve maçapão
vindimas no Alto Douro
tomates em Azeitão
azeite da cor do ouro
que é verde ao pé do Fundão
e fica amarelo puro
nos campos do Baleizão.
Quando a terra for do povo
o povo deita-lhe a mão!

*

É isto a reforma agrária
em sua própria expressão:
a maneira mais primária
de que nós temos um quinhão
da semente proletária
da nossa revolução.

*

Quem a fez era soldado
homem novo capitão
mas também tinha a seu lado
muitos homens na prisão.

*

De tudo o que Abril abriu
ainda pouco se disse
um menino que sorriu
uma porta que se abrisse
um fruto que se expandiu
um pão que se repartisse
um capitão que seguiu
o que história lhe predisse
e entre vinhas sobredos
vales socalcos searas
serras atalhos veredas
lezírias e praias claras
um povo que levantava
sobre um rio de pobreza
a bandeira em que ondulava
a sua prórpia grandeza!
De tudo o que Abril abriu
ainda pouco se disse
e só nos faltava agora
que este Abril não se cumprisse.
Só nos faltava que os cães
viessem ferrar o dente
na carne dos capitães
que se arriscaram na frente.

*

Na frente de todos nós
povo soberano e total
e ao mesmo tempo é a voz
e o braço de Portugal.

*

Ouvi banqueiros fascistas
agiotas do lazer
latifundiários machistas
balofos verbos de encher
e outras coisa em istas
que não cabe dizer aqui
que aos capitães progressistas
o povo deu o poder!
E se esse poder um dia
o quiser roubar alguém
não fica na burguesia
volta à barriga da mãe!
Volta à barriga da terra
que em boa hora o pariu

agora ninguém mais cerra

as portas que Abril abriu!



*

Lisboa, Julho-Agosto de 1975

José Carlos Ari dos Santos - "Obra poética"




























































































































































































































































































































































































































21
Abr05

Meu Lindo Colégio Antigo

Lumife
aaa.jpgFoto tirada pela Ex.ma Senhora Dª Isabel do Carmo estimada e saudosa Professora do Externato S. João de Deus em Alvito. Recordação do dia 03 de Fevereiro de 1954 quando nevou, caso raro, em Alvito.


*

Meu lindo colégio antigo,
Onde aprendi a crescer,
Quem me dera lá voltar,
Ser novo e reviver.


*


Os teus professores amigos,
Não ensinaram em vão,
Deram-nos sabedoria,
E nós temos gratidão.


*


Toda a vida agradecemos,
Aquilo que tu nos deste,
Pois aquilo que nós somos,
Foste tu, que nos fizeste.


*


De ti temos saudades,
Dos colegas nos lembramos,
Aqui foi a mocidade,
Que hoje, aqui recordamos.


*

(Música: Meu lírio roxo)


LM














20
Abr05

Externato S. João de Deus - Alvito

Lumife

1º Encontro de Amizade



Externato S. João de Deus



Alvito 16 de Abril de 2005


*



O tempo !


Quantos anos !


No tempo,


Que não dá tempo,


Para viver e sonhar,


Falta tempo,


Faltam anos,


P`ra vida aproveitar.


No tempo que passa rápido,


Muito da vida se esquece,


Não se esquece a amizade,


Que nossos corações aquece.



O/.



*



De repente tudo se alvoraçou. Recebida a carta convite para o “Encontro de Amizade”
como que acordados duma longa letargia, os nomes dos companheiros, os locais de
convívio, os momentos inesquecíveis, tudo foi surgindo desse nevoeiro cerrado que
tudo cobria. Tinham sido cerca de quarenta anos de ausência, de afastamento.



Por vezes tinham sido momentos de dor pelo desaparecimento dalgum amigo

ou familiar, outras vezes de alegria quando as novas nos enchiam de júbilo.




Foi aqui, neste Alvito , que aprendemos a amar, foi aqui que também aprendemos

a ser amados.

No entanto o destino, em seus inexoráveis caprichos, desenhou o percurso de nossas vidas e restou-nos prosseguir a caminhada até Deus querer.



Todos desejávamos este encontro. Todos queríamos ver e abraçar e falar com aqueles que nos acompanharam nos nossos tempos de estudantes. Era um misto de
alegria e ansiedade. Era ver um sonho de tanto tempo ser realizado. Era para
todos a concretização dum anseio íntimo e tão longamente esperado.



Como bons alentejanos fomos sempre aguardando que se fizesse este Encontro e
finalmente surgiu um grupo de amigos que impulsionou a ideia e levou por diante
esta querida iniciativa. Podem crer que jamais deixarão de ser credores de todo o
nosso agradecimento por terem conseguido levar a bom termo tão difícil tarefa.
Para a Olinda, o Joaquim e a Graça vai o nosso reconhecimento e também

os parabéns pela organização das cerimónias religiosas, pelas homenagens
prestadas e pelo convívio no Clube dos Caçadores


LM



13
Abr05

A Identidade Cultural Alentejana

Lumife
pastor.jpgPastor por Dordio Gomes

*






Em primeiro lugar a identidade cultural do povo alentejano tem a ver com a paisagem, que para Eduardo Teófilo em Alentejo não tem sombra é um:

“Plaino imenso, extensão sem fim a perder-se, lá, onde a vista mais não alcança, mar dourado ondulando de leve, num amarelo forte que se vai esbatendo pouco a pouco à medida que a extensão se esquece e acaba. Céu azul, baço, abóbada afogueada por sobre a seara madura, pare­cendo pousada mesmo sobre nós, Sol que não se pode olhar que o reflexo do seu disco brilhante cega e dói.



Não há uma sombra, não se vê viv'alma. O mundo parou, a vida parou, como que hipnotizados pela salva res­plandecente do Sol a pino, bem na vertical”.



Em segundo lugar a identidade cultural do povo alentejano tem a ver com o carácter do povo alentejano, sobre o qual nos diz Vítor Santos no seu Cancioneiro Alentejano:



“Independentes, ousados, alegres embora de feições duras e escurecidas pelo sol, eles mostram bem, pelo espírito decidido e olhar sobranceiro e um tudo-nada desconfiado, que possúem a consciência da sua força e do seu valôr”.



Faz parte ainda do carácter do povo alentejano, o amor desmesurado que nutre pela sua terra. Como nos diz Antunes da Silva em Terra do nosso pão:



“Isto de Alentejanos é gente que puxa para uma banda só. Partir à aventura no rasto da fortuna, caindo aqui, levantando-se além, não é caminho que se abra às vozes da alma dos Alen­tejanos. Nem é o susto de outras paisagens vir­gens para onde os mandam, mas o amor sub­merso que têm ao seu chão e que de repente se ergue como uma força do sangue. Teimosamente agarrados à plenitude dos escampados, ao valor das suas vilas e aldeias, aprendem a ser livres com a natureza que lhes legaram seus avós.”



Em terceiro lugar a identidade cultural do povo alentejano tem a ver com o trajo popular. Diz-nos Luís Chaves em A Arte Popular – Aspectos do Problema:



“O traje surge-nos como produto natural do meio, isto é, de quanto dentro e à volta do homem existe; e tudo que influi no espírito e actua nele. Desde a escolha e adopção dos tecidos, até a côr e a forma, desde a ornamentação ao arranjo das partes componentes, tudo aí tem razão de ser como é, e tem de estar onde está”. O trajo alentejano é rico e diversificado, quer seja usado por homem ou mulher, estando em relação directa com a posição de cada um na escala social e com as tarefas diárias desempenhadas.



Em quarto lugar a identidade cultural do povo alentejano tem a ver com a gastronomia. O Alentejo é a região do borrego e este é um recurso com elevada cotação na bolsa de valores gastronómicos. Por isso, no âmbito da FIAPE – Feira Internacional Agro-Pecuária de Estremoz, decorre a Semana Gastronómica do Borrego, onde o borrego impera como rei e senhor. Então, os restaurantes locais apresentam receitas a Concurso, todas confeccionadas a partir do borrego. Eis algumas: sopa da panela, ensopado de borrego, borrego guisado com ervilhas, mãozinhas de borrego panadas, perna de borrego trufada, cozido de borrego com grão, feijão verde e abóbora, mãozinhas de borrego com molho de tomate, borrego assado à alentejana, sarrapatel de borrego, borrego de alfitete, miolos de borrego, iscas de fígado de borrego, arroz de fressura, empadas de borrego, tarte de requeijão, bolo de requeijão e queijadas.



Qualquer destes pratos é definidor da nossa identidade cultural. A gastronomia do borrego, essa é património culinário legado pelos nossos ancestrais. É património para mastigar, para saborear e para lamber os beiços, a comer e a chorar por mais, pois barriga vazia não conhece alegrias... Por isso, apetece dizer: - Viva o património mastigável! - Viva! - Avante com a defesa do património! - Avante!



Em quinto lugar a identidade cultural do povo alentejano tem a ver com a arte popular. Desde tempos imemoriais que o pastor alentejano ocupa o tempo que lhe sobra da guarda do rebanho em gravar desenhos sobre madeira, cortiça ou chifre. Resumidamente referiremos: garfos, colheres, chavões, foicinheiras, esfolhadores, formas de dobar linhas, cabaças, caixas de costura, polvorinhos, cornas, etc. Naturalmente, que na arte popular e muito para além da arte pastoril, há a incluir entre inúmeras outras formas de arte popular, a barrística popular e a olaria .



Diz-nos Virgílio Correia na Etnografia Artística:



"A Província do Alentejo é a lareira onde arde mais vivo, mais claro e mais alto, o fogo tradicional da arte popular portuguesa.”


Já João Falcato no Elucidário do Alentejo diz-nos que:



“Não sabe uma letra o pastor destas terras, em erudição nunca ouviu falar, e é poesia pura a linguagem da sua alma, e é poesia pura o que sai das suas mãos.



E além de tudo mais uma qualidade tem a sua poesia. Não precisa dos livros para se imortalizar. Um raminho de buxo, um nada de cortiça, e, da inspiração fugidia, ficou alguma coisa nas nossas mãos. "



Em sexto-lugar a identidade cultural do povo alentejano tem a ver com o cancioneiro popular. De facto, têm bastante expressão entre nós os poetas populares, muitos dos quais são pastores que criam, sobretudo, décimas e quadras que registam no livro vivo da sua memória. A quadra, essa pode ser brejeira:




Assente-se aqui, menina,


À sombra do meu chapéu,


O Alentejo não tem sombra,


Senão a que vem do céu.




Pode ser também o reflexo do grande isolamento em que vive o pastor, que lhe permite conhecer a natureza que o rodeia, muito em particular, o céu:



As árves que o mundo tem


Cubro-as c’o meu chapéu.


Diga-me cá por cantigas


Quantas ‘strelas há no céu?




Por vezes a poesia encerra uma profunda crítica social:



Sobe o rei no alto trono,


Desce o pastor ao val’ fundo;


Uns p’ra baixo, outros p’ra cima


Vai-se assim movendo o mundo."



Felizmente que através dos tempos tem havido estudiosos que têm procedido à recolha do rico Cancioneiro Popular. Registo entre outros os nomes de Tomás Pires, Luís Chaves, Azinhal Abelho, Manuel Joaquim Delgado, Vítor Santos, Fernando Lopes Graça, Michel Giacometti, a quem presto o tributo do meu reconhecimento por terem tido a clarividência da importância que constitui o registo escrito do Cancioneiro Popular, como forma de assegurar a perpetuidade do que tem de mais rico e genuíno a nossa memória colectiva.


Em sétimo lugar, a identidade cultural do povo alentejano tem a ver com o cante, que segundo a tese litúrgica do padre António Marvão teve origem em escolas de canto popular fundadas em Serpa, por monges paulistas do Convento da Serra d’Ossa, os quais tinham formação em canto polifónico.



No Cancioneiro Alentejano – recolha de Victor Santos, diz Fernando Lopes Graça:



“O alentejano canta com verdadeira paixão e todas as ocasiões lhe são boas para dar largas ao seu lirismo ingénito. Não há trabalho, folga, festa ou reunião de qualquer espécie, sem um rosário infindo de cantigas.”



Manuel Ribeiro na Lembrança dos Cantadores da Aldeia Nova de São Bento, Mértola, Vidigueira e Vila Verde de Ficalho, diz-nos:



“Só no Alentejo há o culto popular do canto. Ali se criou o tipo original do “cantador”. Pelas esquinas, altas horas, embuçados nas fartas mantas, agrupam-se os homens: esmorece a conversa, faz-se silencio e de subito, expontâneamente, rompe um coral. É o diálogo em que eles melhor se entendem, é a conversa em que todos estão de acôrdo.



Quem não viu em Beja, em certas ruas lôbregas, em certos recantos que escondem ainda os antros esfumados das adegas pejadas de negras e ciclopicas talhas mouriscas, quem não viu duas bancadas que se defrontam e donde se eleva um canto entoado, solene e soturno, com o quer que seja da salmodia dum côro de monges?”



Embora possa cantar só, o alentejano canta sobretudo em coros e esse canto é sério, dolente, compenetrado e mesmo solene, porque o alentejano é lento, comedido e contemplativo, por força do Sol escaldante.


O coro une os alentejanos. Como diz Eduardo Teófilo em Alentejo não tem sombra:



“Há, no entanto, a ligá-los a todos, algo de pró­prio, de indefinidamente próprio e que os torna re­conhecíveis em qualquer lugar em que se encontrem.(...). Todos eles estão marcados a fogo, pelo fogo daquele Sol ardente que, mesmo quando mal brilha, entra nas almas e molda os caracteres, todos eles apresentam o seu rosto cortado por navalhadas de vida e tostados pelas ardências do Sol de Verão, como se vivessem todos, realmente, sem uma sombra a que se abrigar.”



Sobre o cante diz-nos ainda Antunes da Silva em Terra do nosso pão:



“As cotovias cantam para o céu, tresnoitadas. Os Alentejanos cantam para os horizontes, sonhando. Dessas duas castas melodias nasce a força de um povo!”




Em oitavo lugar, a identidade cultural do povo alentejano tem a ver com a habitação popular, o monte ou a casa de povoado, ambos de planta rectangular e com chaminé aparecendo em ressalto na fachada. Os materiais de construção são a taipa e o tijolo. O telhado é de duas águas, coberto de telhas assentes em ripas. As paredes, reforçadas por vezes com contrafortes, são caiadas de branco. Lá diz o cancioneiro popular:



Nas terras do Alentejo


É tudo tão asseado...


As casas e o coração,


Sempre tudo anda lavado...




Julgo ter ficado sobejamente demonstrado que pela sua paisagem própria, pelo carácter do povo alentejano, pelo trajo popular, pela gastronomia, pela arte popular, pelo cancioneiro popular, pelo cante, pela casa tradicional, o Alentejo é uma região com uma identidade cultural própria.



Como diria o poeta, é preciso, é imperioso, é urgente, que cada um de nós tenha consciência dessa identidade cultural e lute pela sua preservação, valorização e aprofundamento.


*

(Hernâni Matos)



















07
Abr05

Fialho de Almeida - (Escritor nascido em Vila de Frades - Cuba)

Lumife
fialhoDeAlmeida-por Vasco.gifFialho de Almeida visto por Vasco


*


Nasceu em Vila de Frades no ano de 1857 e formou-se em Medicina, pela Universidade de Lisboa.


A sua vida foi cheia de dissabores e agruras, porque parece que o destino se decidiu a lutar contra ele. No meio de tudo que lhe foi sucedendo, nunca deixou de trabalhar e, no papel, imprimiu páginas de deslumbramento. Os vultos da literatura deram-lhe um lugar de destaque na hoste dos grandes contistas portugueses.


Desta forma, é muito vasta a sua obra e, claro está, essencialmente constituída por contos: "Contos", 1881; "A cidade do vício", 1882; "Lisboa galante", 1890; "O país das uvas", 1893; "Os gatos", 1889-94 - uma publicação periódica do folheto, constituído por seis volumes, onde aparecem notas mordentes e sarcásticas (que aliás é uma qualidade muito peculiar ao longo dos seus escritos).


Escreveu também uma grande série de crónicas e impressões e comentários diversos, que se distribuem por vários volumes: "Jornal de um vagabundo" - "Pas quina das", 1890; "Vida irónica", 1892; "À esquina", 1903; "Barbear, pentear", 1910.


Após a sua morte, ocorrida em 1911, foram editados os títulos: "Saibam quantos..." - Cartas e artigos políticos -, 1912; "Estâncias de arte e de saudade", 1921; "Figuras de destaque", 1924; "Actores e autores" - impressões de teatro -, 1925.


Os seus contos procuram apreender o lado mais impressionante da miséria ou do sofrimento, e o assunto, muitas vezes, são casos mórbidos. As inúmeras crónicas que escreveu são muitíssimo irregulares quanto ao mérito. Não podem, de forma alguma, ser comparadas com "As farpas", de Ramalho Ortigão.


Embora a sua escrita se paute pelo mordaz, ele era muito sensível à ternura: deixava-se embalar por sentimentos que se reflectem na sua obra, que é de uma beleza extraordinária. Tinha um conhecimento profundo da nossa língua; por isso, a enriqueceu grandemente, introduzindo-lhe novos e arrojados meios de construção, neologismos e nacionalização de termos expressivos.


Caracteriza-o um estilo vigoroso, muito exuberante e colorido.


04
Abr05

Receita para um Natal - ( Nicolau Saião - Poeta , Pintor , Publicista - Monforte do Alentejo )

Lumife
Poema.jpg


Primeiro, ficar parado


durante um momento, de pé


ou sentado, numa sala ou mesmo


noutra dependência do lar.


Depois preparar


os olhos, as mãos, a memória


e outros utensílios indispensáveis. A seguir


começar a reunir


coisas, por ordem bem do interior

do coração e do pensamento:


a ternura dos avós, uma mancheia;


rostos de primos distantes, uma pitada;


sons de sinos ao longe, quanto baste;


a recordação duma rua, uns bocadinhos


um velho livro de quadradinhos


duas angústias mais tardias, alguns restos de azevias,


a lembrança de vizinhos ainda vivos mas ausentes


e de uns já passados.


Quatro beijos de seres amados ou de parentes


um cachecol de boa lã cinzenta aos quadrados


e um pouco de azeite puro e fresco


igual ao que a mãe usava noutro tempo saudoso.


Mexe-se bem, leva-se ao forno


e fica pronto e saboroso


– mesmo que, nostálgica, se solte uma pequena lágrima.


























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